sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Sem batimentos, sem coração, um coração que bate rápido de mais, de um modo que as batidas nem são mais sentidas por mim. Estou morrendo? Minha visão continua clara, respiro normalmente, mas algo mudou dentro de mim.
Estou sentada no banco de trás de um taxi, indo em direção ao meu apartamento moribundo no centro de Londres. Minha vida está girando ao meu redor, lembranças voando, sinto frio agora. O taxi pára. Entrego o dinheiro ao motorista; não consigo agradecer, minha garganta está entorpecida. Piso no asfalto com meu sapato de salto, tomando cuidado para que meu vestido curto não deixe minha calcinha aparecer.
O que fazer agora? Dormir? Ver TV? Ler? Ligar pra alguém? Cheirar? Dormir, enfim. Mas eu não quero dormir, não sinto sono, apenas olhos cansados; porém tenho medo, tenho medo de fechá-los. Não quero entrar em casa. O porteiro me cumprimenta, estou com as chaves na mão, vou entrar ou não? Não, não vou entrar. Viro para a esquerda, ando rapidamente, guardo as chaves na bolsa.
A rua está praticamente deserta, afinal são cinco e meia da manha. O frio é insuportável, estou bêbada, preciso de um cigarro.
Preciso gritar... Sinto angústia, sinto dor, olho para o céu. Meu Deus, o céu é escuro, sempre e eternamente escuro, as estrelas nem são o que parecem, elas não são pontinhos brancos. São crateras gigantescas e grotescas, perdidas, mortas, frias ou quentes ou qualquer porra parecida. Não consigo tirar meus olhos do céu. Ele é tão infinito, tão horrível de se olhar, por que parece que não há mais nada. Sinto-me pequena, minúscula, insignificante. Apenas mais uma. Apenas mais uma pra morrer.
Desejo estar morta. Agora, agora mesmo. Não tenho coragem para me matar, sou covarde, sou ridícula, só sei esperar e sofrer, continuar nessa porra de mundo.
Olho para o chão. Não consigo chorar, não existem lágrimas dentro de mim. Meus olhos nunca molharam-se, nunca transbordaram emoção neste meu corpo frio. Mas eu desejo chorar agora, eu preciso, na verdade. Vou explodir se não o fizer.
Olho para frente, para o fim da rua, para o horizonte. Meu futuro me espera, espera que eu faça as coisas certas. Eu quero que coisas boas aconteçam, porém o futuro é só mais porra pra acontecer, não é futuro, é só tempo na frente, por que passado é tempo atrás e presente é tempo em cima. Tenho tanto medo de tudo que pode acontecer, de quem vai morrer, dos amores que não vou viver, da dor que vou sentir, de tudo, das despedidas. Não quero me despedir, não quero nunca mais abraçar alguém, não quero me apegar, não quero ser beijada, não quero querer beijar.
“Deus não existe. Deus? Você está aí?”, disse-me ele, certa vez, sarcasticamente.
Minhas pernas fraquejam, caio no chão, de joelhos. Grito, grito com toda a minha força, por que a rua está deserta, o mundo também, meu coração está deserto e frio. Não sei mais o que pensar, muito menos o que esperar dessa maldita depressão, desse sangue todo, dessa solidão. Não faz sentido, afinal. Nada, ninguém, nada, nada, nada, morte, sempre dói. Tudo dói. Sempre. Nunca acaba a angústia, nunca acabam as mortes, nunca apaga-se o fogo.
“......................................................”
“Pensamentos em branco, girando, girando, não fazem sentido algum.”
“!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!”
A dor está dentro de mim, lá no fundo, nada pode tirá-la. Tento fazê-la desaparecer, caída de joelhos nesse beco deserto, após uma festa em uma maldita boate, após beber litros de vodka, cheirar pó, dar pra uns cinco canalhas que me deram cem paus cada, estou chorando. Derramando minhas primeiras lágrimas por esta vida miserável que vivi, as lágrimas são salgadas, nunca soube disso, por que nunca chorei. Elas encostam em meus lábios manchados de batom vermelho, mas eu sinto o gosto. É um gosto bom, pena que demorei tanto para prová-los.
Chorar é aliviante, é libertador, porém a dor continua aqui dentro, no meu estômago, no meu coração, na minha cabeça, em tudo.

Hoje é meu aniversario de 28 anos e, enquanto olho para trás, vejo que nada valeu à pena. Nada foi importante, eu não vivi nada de verdade. Eu só presenciei minha própria vida, só olhei para ela. E agora estou aqui. Sou uma puta de boate, uma alcoólatra, uma viciada em pó que mora num beco de Londres e que não ama ninguém, não é amada por ninguém. A mãe morreu, o pai foi preso por estupro, não tem irmãos, não tem parentes, se tiver são uns merdas também.
E não tem solução. A felicidade não existe, se os ricos também são infelizes e miseráveis, então não pode existir, nunca. Muito menos pra uma putinha como eu ou para qualquer outro miserável como eu. Não procuro mais por ela, não quero mais amar ou casar, só quero foder a vida de todo mundo e a minha também.
Todo dia é igual, os que passaram e os que estão por vir. Acordo, cheiro, bebo, um canalha velho e rico me paga cem pau pra eu dar pra ele, volto pra casa, cheiro mais um pouco, vou pra boate, faturo uns quinhentos pau, seiscentos, quem sabe. Volto pra casa, xingo essa merda de vida, assisto TV, durmo, não tenho ninguém pra ligar.
Nem tenho a coragem de me matar.

Grito mais uma vez, caída no meio da rua, e percebo que começou a chover. Uma chuva fraca, fria, gélida e cruel. É o mundo que é cruel.O mundo é cruel, os privilegiados são cruéis, por que passam na rua, vêem um maldito de um mendigo, um ser humano igualzinho a eles, e continuam caminhando. Ou olham pras putas na esquina com nojo, ou vão á uma porra de uma boate e pagam cem paus por uma que seja um pouco mais bonitinha, mais cheirosinha, por que tem um agente do cacete e um salário bom pra caralho. E falam que puta ganha bem, que dá pra sustentar uma família, dá pra viver no luxo. Bando de filho da puta, isso sim.
Deus me castigará, o Diabo me abraçará. “Não há desculpa para os seus pecados.”, Deus me dirá, no portão do paraíso. “Mas, Senhor, eu não tive oportunidades.”, implorarei, já chorando. “Todos tem uma chance, todas as almas, sem exceção.”, ele dirá sabiamente, por que é um ser justo. Eu então serei arrastada para baixo, para o inferno, para o breu escuro, para a dor, para a terra cem vezes pior. Lá, encontrarei o Diabo. Ele virá até mim, sorrindo. “Não se preocupe, aqui é meio ruim, mas você se acostuma.”, dirá ele, abraçando-me, entendendo-me. “Todos que conhece estarão aqui um dia. Todos os humanos que morreram estão aqui, sabia?”, ele sussurrará em meu ouvido. “Como assim?”, perguntarei, confusa. “Não há humano que não tenha pecado, filha. Eu sou humano. Deus não é.”
Saio de meus devaneios, de minhas visões. Volto para a rua escura e para a chuva, agora forte, machuca meu rosto, não consigo manter meus olhos abertos. Tenho que ir embora. Ergo-me com esforço, mal sentindo meu próprio corpo, e vou andando de volta para minha rua. Viro a esquina, vejo meu prédio. O porteiro me cumprimenta novamente, porém desta vez com uma expressão preocupada. Entro, subo as escadas, abro a porta, entro em casa, deito no sofá de dois lugares e fecho os olhos. Preciso de pó. Abro a gaveta da cozinha, lá tem cinco gramas em um saquinho. Faço duas fileiras na mesa da cozinha. Preciso de um canudo, rápido, estou com raiva, com dor, tenho que aliviar isto. Abro minha bolsa, pego uma nota de cem, a inteirona que recebi hoje e enrolo. Cheiro a primeira fileira, depois a segunda. Decido que não posso ir pra terceira, minha garganta já está meio dormente, minha mandíbula está esquisita e...
Eu só queria morrer. É meu único maldito desejo, depois de 28 malditos anos de vida, só quero que acabe, que nunca cheguem os 29. Com coragem, com raiva, vou até o banheiro, o minúsculo banheiro e abro a gaveta. Tylenol, camisinha, remédio pra dormir. Vinte pílulas de remédio de dormir, mais quatro de tylenol... Fico pensando se isso me mataria. O que custa tentar? Se der errado, o problema é meu, se der certo, dificilmente vão notar. Só quando o apartamento começar a feder e os vizinhos sentirem cheiro de carniça.
Pego os remédios e volto pra cozinha, procuro uma garrafa de vodka ou qualquer coisa que me obrigue a engolir a porcaria toda. Encontro uma cachaça vagabunda, comprei no bar da esquina, mas quebra o galho. Engulo uns cinco comprimidos de uma só vez, com um gole de cachaça guela abaixo. Dói, tudo dói, corpo e alma, músculos e ossos, coração, estômago, nariz, mandíbula. Mais comprimidos guela abaixo, mais cachaça, mais comprimidos.
Já tomei todos. A garrafa está na metade. Estou me sentindo meio tonta... isso é um bom sinal, muito, muito bom, significa que estou morrendo, indo embora pra sempre, falar com meu amigo Diabo.
Deito no sofá, fecho os olhos e sorrio. Sorrio de pura felicidade, por que finalmente tive coragem de acabar com a minha vida, e agora acabou. O dia de amanhã não vai existir, e isso é um alívio, um alívio enorme. Minha visão fica escura, minha cabeça dói, minhas mãos estão tremendo. Quanto tempo já se passou? Meia hora, cinco minutos, um dia? Sinto algo voltando pela minha garganta, mas não consigo ver o que, apenas sinto uma gosma quente em meus peitos, lambuzando, sinto meu nariz úmido e quente, escorrendo um liquido. Sangue? Outro bom sinal. Estou morrendo. Adeus, vida.
Na morte, vejo a luz, vejo a escuridão desaparecendo abaixo de mim, não tenho mais corpo. Não tenho mais medo, não há mais dor em meu corpo.
Tenho nojo da existência, nojo dos humanos, dos animais, das vidas miseráveis, da inveja, da violência, da ganância. Nojo, simples e puro asco que me consome, que me fez beber a própria morte naquela garrafa de cachaça.
É um final drástico, por que o mundo é drástico e eu quero, pelo menos uma vez, ser como ele, ser dramático e estúpido, ser egoísta, ser mesquinho.
Odeio você, Mundo. Espero que você exploda, espero que tudo que você consome te destrua, que todas as pessoas na sua superfície te destruam. Apenas isso e nada mais.
Ouça o que eu digo, mundo: Você vai morrer logo, logo.
Exatamente como eu.

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